terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Capítulo XIX : Vício maldito



HÀ pouco tempo atrás, para ser um ET era preciso vir de outro planeta. Hoje em dia ficou mais fácil, basta não ter um celular. Nada resume tão bem os nossos tempos como ele. Antes uma luxúria, agora, uma necessidade.

O fato de alguém ter este aparelho móvel, lhe dá a plena possibilidade de se manter conectado com o resto do mundo. Não importa quão longe você esteja sempre estará perto. Viver sem fronteiras. A tecnologia virou vício. Como pudemos viver tanto tempo sem o celular?

Juntamente com essas mudanças, também apareceram os inconvenientes. Já reparou que quando você está conversando com alguém, mesmo que esteja no auge do papo, no ponto chave da piada, no x da questão, no final da história, o que for, basta apenas que a música toque ou algo vibre para que tudo se acabe? Tudo se torna menos importante diante daquela ligação. Após uma breve pausa, retomamos o assunto. Onde estava mesmo?

Não consigo entender como isso se dá. Por que razão aquela ligação é mais importante que a conversa que você está tendo no momento? Afinal, aquela pessoa começou a conversar com você primeiro. Pior, ela está diante de você.

A verdade é que ficamos na expectativa. Quando você está com o celular, sente que a qualquer momento pode receber aquela ligação. Já reparou na ansiedade de alguém quando recebe uma mensagem? O contrário também é verdade. Quando você não está com o celular, sente que pode perder aquela ligação. Imaginem o desastre? Não consigo entender.

Dizem que é necessário atender, porque pode ser a notícia de que alguém está doente e precisa de ajuda ou que você vai receber alguma dádiva. Pode ser, mas quantas vezes isso aconteceu? É mais fácil você receber um trote. Aliás, eles sempre funcionam, porque, afinal, você está na expectativa.

Outra coisa impressionante. As pessoas ficam chateadas quando outros não atendem suas ligações. Será que ele não gosta de mim? E quando o celular fica desligado? Só pode ser, está com outra. Para as mentes inquietas, é um prato cheio. Viveremos entre monstros da nossa própria criação.

Existem novas tecnologias que permitem colocar no celular um programa de rastreamento, onde você pode, com um simples clique, descobrir onde está determinada pessoa. Acabou sua regalia de dizer para o chefe que vai chegar atrasado por causa do trânsito. Se fizer, ele vai descobrir que você ainda nem havia saído de casa quando mandou aquele torpedo.

Aliás, que nome! Sua mensagem chega tão rápido como um torpedo! Estupendo!

Pode parecer coisa de velho, mas sinto falta da época em que as pessoas ao invés de ligar, iam a sua casa. Queriam te ver. Tente lembrar, qual foi à última vez que você fez isso ou fizeram com você? Quando fez, como foi recebido? Isso também, não consigo entender. Hoje em dia as pessoas não gostam de visitas repentinas, tudo tem que ser com horário marcado. Quanta neurose.

Ás vezes tento deixar. Deixar o celular em casa, deixar o celular tocando, deixar de me preocupar. Experimente fazer isso de vez em quando. Saia de casa, mas sem ele. É como se você ficasse escondido, com mais liberdade, pronto para se perder. Quando estiver no meio de uma conversa, deixe o celular tocando. Não há pessoa mais importante no mundo do que aquela com que você está conversando no momento. Valorize-a, valorize as relações humanas, principalmente as de verdade. Deixe de mandar mensagens, espere encontrar com as pessoas para contar suas novidades.

Nossa vida é cheia de ironias. Um aparelho que deveria ter o papel de aproximar as pessoas, apenas as afasta. Pra que vou querer novas relações em outros ambientes se tenho meus melhores amigos ao meu alcance? Vão engano. Acho que devemos evitar cultivar amizades exclusivas, porque o homem adere ao vício com mais facilidade do que a virtude.

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